Em 2015, Cisne Negro ganhou o Oscar de Melhor Filme, por ser um impactante thriller psicológico. O que poucos sabem é que o filme que ganhou a estatueta mais importante do cinema teve grandes influências de uma obra antiga obra japonesa: a animação Perfect Blue.
Mima é uma celebridade musical do grupo Idol Cham, que, por influência de sua agente, acaba largando a alegria de ser uma idol para se tornar uma atriz séria. A nova carreira acarreta grandes mudanças no perfil de Mima e muitos fãs não aceitam isso, de modo que Mima passa a ser perseguida e seus novos colegas de trabalho são cruelmente assassinados - o que é muito curioso, já que o seriado retrata um serial killer com distúrbio de personalidade. Além dos perigos do mundo real, bem como uma pessoa se passando por Mima na internet, a própria Mima não aceita deixar sua vida de idol para trás, e, mesmo estando cada vez mais pressionada para ser uma atriz e submetendo-se a situações vulgares que quebram totalmente a imagem doce e inocente de outrora, Mima é atormentada psicologicamente por visões de si mesma do passado, insistindo que a atriz fez a escolha errada e colocando em cheque sua própria existência.
Se fosse ambientado apenas em um "plano real", o filme já seria muitíssimo interessante: uma atriz que se vê obrigada a deixar a inocência para trás, realiza cenas pesadas (trigger warning: estupro) para se firmar como uma atriz de verdade, é perseguida por um stalker e ainda descobre um site chamado "Mima's Room", escrito por alguém que acompanha cada passo seu e ainda dá voz à verdade silenciada: Mima preferia continuar sendo uma idol. Com essas premissas, o filme retrata a perversidade na indústria cinematográfica, o papel submisso da mulher em uma cultura machista, a pressão e a insegurança de uma atriz em rápida ascensão. Contudo, o mais interessante dessa obra é a mescla da realidade e da ilusão, o fato de Mima ficar mais psicologicamente perturbada à medida que sua carreira avança como atriz. Com isso, o filme trabalha com "imagens", com nossa percepção do real, com ilusões criadas por nossas mentes. É o misto de realidade e fantasia que faz de Perfect Blue um filme complexo e inovador.
Lançado em 1997, a arte de Perfect Blue não impressiona e fica bastante aquém das produções da época, seja pelos traços, pelos cenários apagados, mesmo pela movimentação. Não obstante, o cinéfilo Satoshi Kon soube dirigir o filme com maestria e costurar uma história envolvente e complexa, na qual muitas vezes acreditamos estar vendo o real para, em seguida, uma nova cena provar o contrário. Apesar de confuso, a narrativa de Perfect Blue permite uma experiência impactante ao deixar o expectador tão perplexo quanto Mima, brincando com metalinguagem, o real e o ilusório ao mesmo tempo. A trilha sonora também provoca tensão na medida certa, contribuindo para que o filme seja um ótimo suspense psicológico.
Perfect Blue retrata o pior da indústria do entretenimento, que vende com sucesso artistas, objetificando as pessoas por trás - com a ajuda, claro, dos consumidores, que ficam irritados com mudanças no 'produto'. O filme também aborda a psique humana, a capacidade de lidar com nós mesmos e o perigo de mesclar fantasia e realidade, em uma obra realista com um toque de surrealismo, que, entre tantas camadas pessoais e subjetivas, também faz uma crítica dura à mídia e à sociedade como um todo.
0 comentários